terça-feira, 22 de julho de 2008

ÓDIO MORTAL - PARTE II

Joseph Watts era um homem maduro, na casa dos sessenta. Suas principais características eram o seu autoritarismo e sua avareza. Viúvo e sem filhos, nascido em família tradicional e católica, ele servira por vários anos ao exército, no posto de sargento. Quando se aposentou alguns anos antes do previsto, devido a problemas cardíacos, abrira a loja de ferragens no centro em um antigo salão de propriedade de sua família, que anteriormente era alugado a uma mercearia. Dizia-se pela cidade que Watts tinha muito dinheiro, mas que por medo de assaltos, ou por pura avareza, não tinha sequer um carro, e sempre trajava as mesmas roupas, visivelmente puídas e gastas. Ele mesmo abria sua loja todos os dias às oito da manhã, horário em que Harold geralmente já estava esperando pelo seu odiado patrão. O sr. Watts levava cada um de seus dias de maneira idêntica e muito regrada, sem nem imaginar que naquele dia abafado aconteceriam fatos bem anormais.

Pouco antes das sete, Harold se levantou. Sentiu-se absolutamente atormentado e agitado. Tomou um banho rápido e, enquanto se vestia, pensou no que dissera sobre Deus à sua esposa Marie na noite anterior. Foi quando pensou:

- Já que Deus parece querer me prejudicar, quem sabe o Diabo não queira me ajudar?

No mesmo instante, ele se deu conta do pensamento que formulara e se espantou consigo mesmo. Ele nunca tivera qualquer educação religiosa, porém tal conjectura o deixou perplexo. Harold sempre fora uma referencia de homem calmo e sossegado, acostumado com a vida difícil que tantas outras pessoas também têm que levar. E nas últimas semanas ele mudara demais, blasfemando e praguejando o tempo todo devido à sua situação. Harold vestiu a camisa e sentou-se na cama. Começou a pensar em Marie, nos filhos e nas contas que tinha para pagar. Sua família dependia dele. Então ele respirou fundo, levantou-se e saiu para trabalhar, decidido a esquecer do ódio ao sr. Watts e os pensamentos sombrios, em nome da sobrevivência de sua família.

Quando Harold chegou em frente ao trabalho, a loja ainda estava fechada. Eram dez para as oito. De repente uma das portas se abriu, e ele se viu de frente com a figura que vinha lhe tirando o sono. Com uma magreza fora do comum, um rosto ossudo, de cabelos brancos bem curtos, vestindo camisa xadrez de flanela, calça de veludo e botas surradas, lá estava o sr. Watts, fitando Harold com um olhar que mesclava desprezo e nojo.

- Bom dia, sr. Watts! – disse Harold, timidamente
- Vejam só o estado em que se encontra esta calçada! – gritou Watts – aqueles malditos mendigos andaram por aqui novamente! Varra já toda esta sujeira!

Da mesma forma que sentia ódio mortal daquele velho homem, Harold sentia muito medo dele também. Watts tinha um timbre grave e autoritário que às vezes o fazia tremer e perder a voz. Por esse motivo, ele apenas disse um seco “sim, senhor” e foi cumprir a ordem dada. Quando amontoou todo o lixo no meio da calçada e se preparava para colocá-lo na lata de ferro, ouviu novamente aquela voz firme, que no mesmo instante o fez derrubar a vassoura que segurava.

- Sr. Harold, acha que lhe pago para brincar com essa vassoura aqui fora o dia todo? Há dois clientes dentro da loja aguardando atendimento! Afinal, você é cego ou aleijado?

Harold estremeceu.

- Mas senhor, como o senhor estava no balcão eu pensei...
- Você não pensou nada! – explodiu Watts – Quem pensa aqui sou eu, meu rapaz! E lembre-se aqui a autoridade vem de cima para baixo, e a responsabilidade de baixo para cima! Agora recolha logo tudo isso.

Harold apanhou do chão a vassoura e a pá de ferro, debaixo dos olhos coruscantes do patrão. Subitamente ele sentiu dentro de si a raiva da noite passada, quando olhou para a pesada pá de lixo. Pensou no estrago que poderia fazer com ela naquele rosto que o observava. Com muita dificuldade, esquivou-se do tentador desejo e terminou seu serviço, indo atender dois carpinteiros que aguardavam dentro da loja.

Um comentário:

!º_º? disse...

E lembre-se aqui a autoridade vem de cima para baixo, e a responsabilidade de baixo para cima!

brilhante!